quinta-feira, 25 de junho de 2009

A 300 por hora ao lado de Alonso

O texto é de 2007, mas dá bem a dimensão do que é sentar ao lado de um bicampeão mundial de F1 num simples carro de rua. Simples não, era uma Mercedes SLR, que não é pouca coisa, no circuito de Goodwood, um dos mais tradicionais da Inglaterra.

De Manel Serras
Em Goodwood (Inglaterra)
Jornal El Pais

Goodwood é um circuito mítico. Situado a sudoeste de Londres, abriga anualmente o Festival da Velocidade, que dá aos fãs a oportunidade de ver em ação lendários campeões mundiais de diversas categorias, entre elas a Fórmula 1. Mais de 150 mil amantes do esporte freqüentam o evento, considerado imperdível. Embora o circuito ainda não tenha completado 60 anos de história, organizou corridas das mais diversas modalidades e chegou a abrigar alguns Grandes Prêmios (G.Ps.) até 1966. Foi ali que o espanhol Fernando Alonso, que neste final de semana disputa o Grande Prêmio da Espanha em Montmeló (Barcelona), esteve há algumas semanas para se transformar no grande protagonista das hotlaps ("voltas quentes"), organizadas este ano pela Vodafone, o principal patrocinador de sua equipe, a McLaren Mercedes. O objetivo era que alguns jornalistas e vários convidados pudessem viver a experiência de viajar como um pacote ao lado do bicampeão mundial.

A prova se realizou com o impressionante Mercedes-Benz SLR McLaren de dois lugares, o carro que a escuderia pôs à disposição do espanhol para seu uso particular, com a única exceção que seu motor possui 725 cavalos. O SLR é equipado com um motor de 5,5 litros com oito cilindros em V, que oferece 650 cavalos de potência e pode superar os 300 quilômetros por hora. Uma autêntica bomba, cujos motores são fabricados na Alemanha e o chassi e a montagem se realizam no centro tecnológico de Woking, na Inglaterra. Só 600 unidades são postas à venda por ano, por um preço módico que beira os 450 mil euros. Mas se permite que os proprietários o personalizem.

Alonso subiu nesse veículo e tirou dele um pouco mais do rendimento que podia dar. "Venha, suba", ele diz, esboçando um amplo sorriso. "Você dirá quando começamos."

Na arrancada, as rodas guincham antes que o campeão decida que chegou o momento de iniciar a aventura. Quando solta o freio, o carro se transforma em um bólido que prega minhas costas no assento e sai disparado como uma flecha até alcançar uma primeira curva de quase 90 graus à esquerda, que Alonso enfrenta numa velocidade vertiginosa. Ele está concentrado na condução, embora totalmente relaxado.

"Está vendo aquele carro ali adiante? Vamos alcançá-lo."

É competitivo, não há dúvida. E de repente se concentra ainda um pouco mais, aperta o acelerador a fundo, dispara a 250 quilômetros por hora na reta, enfrenta uma curva aberta a mais de 200 e já está encostado na traseira do outro.

Quem o conduz não é qualquer um. É Chris Goodwin, um dos pilotos de provas da McLaren, que circula com outro Mercedes, o CLK 63 AMG, cujo motor oferece "só" 512 cavalos, 140 a menos que o de Alonso. Há diferença.

"Já o pegamos", diz. Quase sem lhe dar tempo para se afastar e dar o sinal de pisca-pisca, o passa como um sopro numa curva aberta à esquerda e entra quase sem tocar no freio, a 150 quilômetros por hora, na curva mais fechada à direita.
Os pneus cantam, nota-se que o carro está forçado, anda acima de suas possibilidades de aderência, e para muitos outros pilotos a situação poderia ser de emergência e acabar num acidente.

Alonso não se abala.

O controla com suas mãos prodigiosas, com ligeiros movimentos do volante e com os pedais.

"O carro reage e funciona muito bem. É um dos melhores que há no mercado", explica. "Mas, para nós, dirigir esses carros é quase uma brincadeira, apesar de correrem muito. É como para um futebolista profissional jogar uma partida de futebol de salão com amigos do colégio."

Talvez, mas para o acompanhante é muito. Jamais existe sensação de perigo, nem pensar. A segurança que o bicampeão mundial confere é absoluta. Mas em mais de uma ocasião, com as costas pregadas ao assento, encontro-me de forma inconsciente pisando forte, buscando algum pedal de freio que me permita pensar que estou fazendo algo.

"Um bom motorista poderia passar pelas curvas deste circuito com o gás a fundo, assim como eu faço", reflete o piloto. "Mas não se atreve a fazer isso, levanta o pé antes de entrar nelas. É basicamente uma questão de confiança. Para mim é tudo muito natural. Já sei como o carro vai reagir em cada circunstância. E, se me surpreender, tenho experiência suficiente para resolver a situação."

"Se o carro sai de traseira", acrescenta, "é preciso salvá-lo com o volante, mas também estar pronto para voltar a colocá-lo na posição normal, porque se não dá um empurrão para o outro lado. Com este carro, que tem tração traseira como todos os Mercedes, o controle é feito tanto com o volante como com o acelerador. Em um carro com tração dianteira, basta o volante."

As coisas teriam sido diferentes se no final tivesse aparecido a chuva que ameaçou cair sobre Goodwood durante todo o dia.
"Com chuva tudo muda. É preciso ser muito mais suave em todos os movimentos. Você não pode fazer nada brusco com o acelerador, nem com o freio, nem com o volante. Tudo em câmera lenta, porque as reações do carro são mais nervosas. Não se deve tocar o freio na curva, porque então o carro bloqueia e sai de frente. É preciso frear antes."

Tenho a impressão de que é praticamente impossível ir mais rápido por aquele traçado: à toda na maioria das curvas, com um carro quase tão potente quanto um F-1 e que tem muitas aplicações técnicas experimentadas na mais alta competição: o câmbio seqüencial no próprio volante, muito rápido e com elementos eletrônicos da Fórmula 1; o motor, semelhante ao de um bólido de alguns anos atrás; e os freios, metade carbono e metade cerâmica.

"E o mais importante", acrescenta Alonso, "este carro tem um monochassi de fibra de carbono quase indestrutível, como os que temos na F-1. É muito seguro."
Mas, segundo Alonso, na pista não tem nada a ver com um F-1.

"Meu bólido agarra 200 vezes mais. Com um Fórmula 1, todas as curvas deste circuito são feitas a fundo, e o problema é que você precisa suportar forças G preocupantes. Deve-se segurar bem o volante e fazer toda a força possível com o pescoço, porque o carro agarra mais do que seu corpo pode suportar."

Então, não tem nada a ver com a F-1. Mas voar ao lado de Alonso é de qualquer forma uma experiência inesquecível.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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